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Papa Hemingway


Adrian Sparks como Papa Hemingway

Papa Hemingway – Uma história verdadeira [Papa Hemingway in Cuba] não é um filme excelente, mas merece ser visto por muitas e muitas razões, e não apenas pelos fãs da escrita poderosa do grande Ernest Hemingway.

Seu enfoque não é na juventude do escritor, e sim em sua meia-idade, mais ou menos a partir do momento em que ele é contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura (1954) e se consagra mundialmente, já tendo fixado sua residência em Cuba, país onde morou por trinta anos. A atuação de Adrian Sparks é bastante convincente e ele ficou de fato muito parecido com as imagens de Hemingway que conhecemos dessa sua fase da vida, fazendo-nos imergir em sua ficção e compactuar da sensação de estarmos acompanhando o escritor “real”.

O fato de o filme se concentrar na vivência de Hemingway em Cuba é nitidamente um foco de interesse, ainda mais porque o escritor está lá quando as primeiras ações da guerrilha comandada por Fidel começam a ocorrer e os Estados Unidos passam a temer a perda de seu quintal paradisíaco. O filme mostra-nos, então, o interesse do FBI na figura do escritor, a busca por descobrir seu posicionamento e as ações que são feitas nessa direção, tentando inclusive prender Hemingway. Mostra também o fascínio de jornalista de Hemingway, que não consegue resistir ao chamado de assistir aos combates que se desenrolavam, arriscando a própria vida – e a de Denne Bart Peticlerc, também norte-americano e jornalista, bem mais moço que Hemingway, cuja experiência real e escritos inspiraram o filme (as obras de Hemingway desempenharam papel decisivo na formação e escolha profissional de Peticlerc, que um dia escreveu ao mestre e acabou se aproximando dele, numa relação quase filial).

Outro foco de interesse é que Papa é o primeiro filme americano a ser filmado em Cuba desde a Revolução, o que por si só faz dele uma espécie de símbolo, como à época do lançamento ressaltou seu diretor, o iraniano-americano Bob Yari. As filmagens se deram entre os anos de 2013 e 2014, portanto antes do restabelecimento das relações entre os dois países. Fo preciso negociar com o Departamento de Estado e do Tesouro norte-americano para conseguir autorização para a produção, aceitando os limites de verba impostos. Foi necessário também obter concordância do governo cubano, que não exigiu nenhuma alteração.

De tudo isso, porém, o que mais me impressionou – e que considero forte razão para que o filme seja visto – foi vislumbrar as relações de Hemingway com a escrita, que era sua grande razão de viver, juntamente com as mulheres e a pesca, podemos acrescentar sem receios. Mas, tendo ganhado o maior prêmio em escala mundial, tais relações com a escrita hipoteticamente poderiam estar muito bem, era o auge de sua consagração. Contudo não era assim, e o sofrimento pelo bloqueio era intenso, que o impedia de escrever as palavras e frases a que ele rigorosamente se impunha há anos.

Há um diálogo entre ele e o jovem amigo que me pareceu excelente. Eles estão num bar de Havana, e Peticlerc já tinha dito várias ocasiões para perceber a adoração das pessoas pelo escritor, os pedidos de autógrafo, as milhões de fotografias, sobretudo por parte dos americanos em férias na ilha. Um inferno absoluto, e inevitavelmente pensamos em qual seria a dimensão desse inferno se tal episódio se desse em nossos tempos enlouquecidos e em que fotos são tiradas de tudo.

Voltando entretanto ao diálogo entre os amigos, cito de memória, mas Hemingway diz algo como: “O seu trabalho pode ficar famoso e ser reconhecido, mas virar celebridade é a pior coisa”. Também pode nos parecer banalidade, mas ouvi-la de um escritor como ele, vivendo o que ele vivia e enfrentando seus muitos fantasmas, que o faziam cada vez mais não conseguir escrever, é forte, muito forte. E por essas relações do escritor com a escrita, pelo que elas nos fazem pensar sobre a literatura, a criação literária e seu exercício, o filme vale ser visto e revisto.

PS: Está disponível no Netlix, foi lá que vi.

Adrian Sparks

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Geração armada: literatura e resistência em Angola e no brasil
É o título do livro originado da dissertação de mestrado que defendi na USP, no programa de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. Trabalhei com o romance A geração da utopia, do escritor angolanod Pepetela, e com o testemunho Viagem à luta armada, de Carlos Eugênio Paz, ex-militante da ALN.

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