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O fantástico mundo da leitura crítica


Shae DeTar

Desde o ano passado venho fazendo de forma profissional a leitura crítica de originais, um trabalho desafiador e que tem me propiciado aprendizados. Isso porque com ele acabo lendo não só textos ainda inéditos, em processo, como também travo contato com gêneros com os quais não estou muito acostumada, como leitora. Assim foi com a recente leitura que fiz do livro de contos do professor aposentado da UFPR, João Carlos Marques Magalhães, cujo título provisório é Cartografia do Atalho. Seus contos levam os leitores a imergir em mundos outros, às vezes futuros, como no caso de um conto que traz um personagem enviado em missão de colonização de outro planeta, e que fica no aguardo da chegada dos demais seres humanos a caminho, até perceber que eles simplesmente não chegarão. Noutras vezes, trata-se do nosso mundo mesmo, presente, terráqueo, mundano, mas inundado por eventos inesperados e que rompem com a lógica tão nossa, instaurando-nos num mistério cujo propósito não é ser desvendado, mas apenas revelar nossa fragilidade, nossa pequenez. O autor é biólogo, especializado em Genética, e em suas narrativas lida tanto com fragmentos relacionados à ficção científica, como com essa estranheza que parece pôr em dúvida o próprio universo racional e científico - aliás, mais de um personagem é pesquisador, ligado à academia, e acaba enveredando para a busca de algo que escapa à ciência.

Coincidentemente, outro autor cujo original fiz a leitura há pouco tempo foi outro biólogo, o também professor aposentado Eurico de Oliveira, da Botânica da USP. Seu livro é uma novela, Guaporé, cuja ação envolve intensos conflitos ambientados no mundo rural, isolado, completamente isolado de qualquer vestígio de urbanidade, onde o elemento primitivo presente em cada um de nós aflora quase sem que se queira. O texto de Eurico revela um trabalho especial com a linguagem, uma busca de uma nova linguagem, seguindo as trilhas de Guimarães Rosa, com uma densidade inspiradora.

Ler esses dois textos, ambos tão diferentes entre si, foi não só algo encantatório, mas que vem me fazendo aprender a olhar e atentar cada vez mais para a estrutura composicional de um texto - não com o objetivo de analisá-lo, agora, e sim com o objetivo de vê-lo em seu caráter de construção, de exercício em processo. E é neste sentido que venho aprendendo a olhar com mais carinho para meus próprios exercícios. Como textos inacabados, mas que podem ser trabalhados e trabalhados. Acentuando a percepção concreta, íntima, do teor de trabalho que é a escrita literária.

Um exercício de olhar o texto do outro e aprender junto com ele, com humildade, sim, mas sem achar à partida que algo não tem saída. A saída está lá, o que é preciso é trabalhar, sempre, com persistência e afinco.

Obrigada a todos que têm me possibilitado tal exercício. Obrigada, Eurico e João.

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Geração armada: literatura e resistência em Angola e no brasil
É o título do livro originado da dissertação de mestrado que defendi na USP, no programa de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. Trabalhei com o romance A geração da utopia, do escritor angolanod Pepetela, e com o testemunho Viagem à luta armada, de Carlos Eugênio Paz, ex-militante da ALN.

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