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HOLDING THE MAN - O filme

Histórias de amor são sempre histórias de amor. Mas podem ser bem ou mal contadas e, entre um polo e outro, há vários pontos intermediários. A história de amor contada em Holding the Man não só é daquelas de arrebatar os corações dos telespectadores, como é muitíssimo bem contada.O filme é uma adaptação do livro de memórias escrito por Tim Conigrave e publicado em 1994, já depois da morte de Tim, a qual se deu apenas dez dias depois de ele concluir a escritura. Não conheço o livro e, acredito, infelizmente demorarei a ter uma oportunidade de conhecê-lo, já que não existe tradução em português e a edição espanhola custa caro pra importar.Por isso só posso falar do filme, cuja narrativa é fluida e envolvente, utilizando-se dos recursos da cultura pop da época em que o romance de Tim com John, seu colega de escola secundária, se inicia, em 1976, em Melbourne, na Austrália. A narrativa não se organiza numa sequência cronológica linear, senão que se inicia perto de seu final, para então regressar ao passado - e mesmo nesse regresso, as idas e vindas entre as temporalidades ocorrem, com a marcação da data surgindo de forma quase dançante na tela, em letras arredondadas e brancas. Mediante essas idas e vindas na temporalidade, conhecemos diversos momentos do romance dos dois, iniciado ainda na escola e, obviamente, enfrentando dura resistência por parte dos familiares, sobretudo da família católica e supertradicional de John Caleo. Os obstáculos à consumação do amor do par protagonista são um dos elementos mais antigos das narrativas, um de seus arquétipos fundadores, e aqui se fazem presente com bastante intensidade, fazendo que nós, espectadores, torçamos para a realização desse amor que, como vemos, é puro, pleno, cheio de beleza.

O filme, portanto, joga sábia e conscientemente com esses recursos da narrativa romanesca, sabendo que, por meio deles, é possível enfrentar as resistências que ainda hoje existem com relação ao amor entre pessoas do mesmo sexo.

Usando dos vários topoi da relação amorosa que luta para continuar, Holding the Man luta contra o preconceito que ainda existe, mesmo tantos anos passados, e envolve a todos na torcida pelo par amoroso.

Ademais, o par é constituído por dois tipos também tradicionais nas estruturas romanescas, nas quais esses tipos geralmente representam duas figuras femininas que disputam o amor de um jovem, mas que, aqui, são ambos masculinos e constituidores do próprio par, e não seus oponentes. Um é o loiro, alto e ligado ao universo artístico - Tim, o ator, desbocado, destemido, corajoso (usualmente os loiros, na narrativa tradicional, ligam-se mais ao universo angelical, mas aqui tudo se inverte). O outro é moreno, baixo, ligado ao mundo do esporte - John, o quiropata, recatado, sempre fiel e amoroso.

Ao longo dos quinze anos de relacionamento dos dois, marcado por constância no enfrentamento das adversidades, mas também por dúvidas e desejos diversos, conhecemos alguns elementos da cena de ativismo gay na Austrália de então, quando tudo era feito de muita batalha diária.

O filme não é, porém, uma comédia. Ou seja, o final não vai ser de plena integração e satisfação dos personagens e da plateia. Ao contrário, o final é trágico, no sentido de que tudo aquilo por que se lutou não pode se concretizar por completo. Mas não é piegas e não chega nem perto disso, mesmo atravessando um momento particularmente difícil para gays e lésbicas e para toda a humanidade: a epidemia de HIV em seu início, quando o desconhecimento a respeito ainda era grande e só fazia aumentar o preconceito.

Tim e John passam por tudo isso e acabam por sucumbir, mas o filme, ainda que nos faça chorar, não deixa de mostrar uma espécie de vitória na derrota. E uma baita vitória. A história de amor dos dois foi vivida até o fim, e Tim conseguiu escrevê-la e deixá-la pronta para publicação, tendo vivido apenas 34 anos.

A vitória da escrita, da publicação que veio depois, da sua adaptação para peça de teatro e, finalmente, para cinema, consagram o vivido, eternizam-no, e nos emocionam com a percepção, sempre renovada, do quanto a narrativa é incrivelmente poderosa, do quanto precisamos dela para preencher nossa vida de sabores diversos, do quanto precisamos fantasiar, sonhar, ficcionalizar. Ah ficção...

Holding the Man - filme de Neil Armfield, com Ryan Corr e Craig Stott nos papéis de Tim e John, respectivamente.

As fotos deste post são todas de Tim e John.

Abaixo, uma foto dos atores do filme - impressionantemente parecidos com os verdadeiros protagonistas da história.

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Geração armada: literatura e resistência em Angola e no brasil
É o título do livro originado da dissertação de mestrado que defendi na USP, no programa de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. Trabalhei com o romance A geração da utopia, do escritor angolanod Pepetela, e com o testemunho Viagem à luta armada, de Carlos Eugênio Paz, ex-militante da ALN.

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